Em entrevista para documentário inédito, Dona Ivone Lara diz: 'Sempre fui uma velha romântica'

Trecho da última entrevista com Dona Ivone Lara

'Eu estou aqui, o que é que há' ainda está sendo produzido e será lançado no ano que vem. Última entrevista da Dama do Samba foi concedida no ano passado, aos 95 anos.

G1 RIO - No adeus emocionado a Dona Ivone Lara, na última terça-feira (17), dois jovens registravam a movimentação e a despedida das pessoas durante o velório da Dama do Samba, que aconteceu na quadra da Império Serrano, escola da artista.

As imagens que o co-diretor Gabriel Vasconcelos e o produtor João Pedro Soares captavam farão parte do documentário "Eu estou aqui, o que é que há?", que mostra parte da trajetória de Dona Ivone, cruzando com outras histórias de mulheres que conseguiram se destacar diante de um cenário considerado machista no mundo do samba.

O G1 conseguiu imagens exclusivas do documentário, cedidas pelos dois e a co-diretora Bela Avellar. Nelas, a sambista canta versos de "Sonho Meu", uma de suas principais composições, e revela que "sempre foi romântica". O documentário traz a última entrevista concedida por Dona Ivone, realizada na casa do filho da sambista, Alfredo, e sua nora, Eliana, em fevereiro do ano passado. Mesmo debilitada fisicamente, aos 95 anos, sua lucidez impressionou toda a equipe de produção.

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"Eu sempre fui romântica, eu sempre fui uma velha romântica, de maneira que eu sempre me inspiro, sinto inspiração", revela ela, dona de grandes clássicos do samba.


Apaixonada pela escola Império Serrano, na qual ela foi a primeira mulher a integrar o grupo de compositores, Dona Ivone revelou no documentário que, na verdade, seu coração bate forte por todas as agremiações.

"Eu vou dizer, eu gosto de todas as escolas de samba, porque se eu pudesse, eu desfilava em todas elas. Porque é um prazer mesmo que eu sinto, não é só pela Serrinha, não".
O filme, da produtora Andante, ainda está fase em produção e deve ser lançado em 2019. "Estamos buscando patrocinadores e parcerias", reforça o diretor.

"Acho que existe uma lacuna grande na produção de memória sobre o samba no Brasil, sobretudo no cinema. Com Dona Ivone não era diferente. Em parte, o filme tenta resolver isso. Interesse comercial em cima da produção dela sempre houve e vai continuar. É legítimo. Até porque ela continua viva por meio das músicas. Mas pouca gente ia visitá-la, de fato. O filme fez isso. Visitou o mito no final da vida. Nesse sentido, não deixa de ser um tributo", explica o cineasta Gabriel Vasconcellos.

Fãs levam discos antigos para a despedida da cantora (Foto: Marcos Serra Lima/G1) 


História de três personagens

A ideia inicial, segundo João Pedro, era fazer um filme apenas sobre a Dona Ivone. "Uma personagem dessa dimensão merecia registros de qualidade e aprofundados sobre sua trajetória e legado", ressalta. Mas conversas de mesa de bar fizeram com que o filme abordasse também outras duas histórias, a de Miriam Souza, a primeira mulher a trabalhar como empresária no meio musical e principal assessora de Dona Ivone ao longo da vida (foram 23 anos juntas), e também da percussionista Luana do Tantam.

"Decidimos, então, construir a narrativa em cima das histórias de três personagens. Dona Ivone, com seu pioneirismo na composição de sambas-enredo; dona Miriam, como empresária/produtora, e Luana do Tantam. Luana é percussionista e ganha a vida no samba, tocando em diferentes rodas do Rio. Moradora de Santíssimo, ela já enfrentou todos esses perrengues, está em ascensão e, na principal roda em que toca, o samba de quinta-feira do Espaço Ruínas (Samba Independente dos Bons Costumes), é a única mulher a participar", acrescenta Gabriel.

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Além de focar as histórias dessas três personagens, que se entrelaçam ao longo da narrativa, outras mulheres consagradas no meio participam do documentário: Leci Brandão, Teresa Cristina, Mart'nália, Áurea Martins, Nilze Carvalho e Luiza Dionísio.


"Também queremos entrevistas com Beth Carvalho e Alcione", adianta João Pedro.

Corpo de Dona Ivone Lara é velado sob aplausos e batucada

O corpo de Dona Ivone Lara foi velado na quadra da escola de samba Império Serrano, no final da manhã desta terça-feira (17), em Madureira, Zona Norte do Rio, com muita emoção e batucada. A sambista morreu aos 96 anos, na noite desta segunda-feira (16), por conta de um quadro de insuficiência cardiorrespiratória.


Amigos sambistas se despedem da cantora fazendo uma batucada (Foto: Marcos Serra Lima/G1) 

“Dona Ivone só tem coisa boa, ela nasceu para fazer sucesso. Uma grande amiga minha, parecia que era da família. Gravei 'Tiê', mas gosto de muitas outras: 'Sorriso Negro', 'Acreditar'. Ela tinha muita criatividade, dizem que existem muitas canções inéditas, tenho curiosidade de ver e com certeza vamos ver”, comentou Alcione.

Por Patricia Teixeira
Texto original: G1 Rio de Janeiro

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