Geraldo Pereira, assassinado por Madame Satã



Por Eduardo Afonso

Hoje marca o centenário do nascimento de Geraldo Pereira, que nascera a 23 de abril de 1918, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em 1930, então aos 12 anos, se muda para o Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, para morar com o irmão mais velho. Vai crescendo e participando de rodas de samba, onde se torna compositor e começa a chamar a atenção.

A história mais intrigante sobre a vida de Geraldo Pereira, porém, é a de sua morte, que até hoje é misteriosa. Cada um lembra de um jeito, cada um conta de um jeito. As histórias são desencontradas. Existem três atestados de óbito em seu nome, dois deles creditam a morte à uma hemorragia no intestino, o outro à uma hemorragia cerebral.

Geraldo Pereira morrera na cama do Hospital Souza Aguiar. A história mais popular é a de que ele teria sido internado após entrar em uma briga com o mitológico Madame Satã. Mas isso não significa exatamente que a causa da morte de Pereira teria sido a briga. O próprio Satã falou sobre a história em entrevista para o Pasquim.

Madame Satã
Na entrevista, Satã conta que Geraldo Pereira teria chegado com uma mulher a um bar na Lapa, no Mem de Sá, já bêbado. Quando estava sóbrio, era um amor, mas quando bebia, se transformava no malandro que todos temiam, e saía pelas ruas procurando briga. Era tão valente quanto Madame Satã, conhecido por ser um dos maiores malandros do Rio. Satã era famoso por entrar em brigas com a polícia para defender seus direitos. Sendo homossexual e negro à época, não tinha tais direitos respeitados. Era dono de um potente punho esquerdo, usado sempre que necessário. Pereira teria avistado Satã de longe, sentado à mesa sozinho, tomando seu chope de baixo de seu característico chapéu Panamá. Sentou-se com a mulher ao lado, e em certo momento, encucou com a ideia de que Satã teria pegado seu copo de chope, e que o copo que estava com ele era, na realidade, de Satã. Por isso, os dois entraram em uma discussão, que acabou com Geraldo Pereira batendo a cabeça no chão da calçada, em frente ao bar, após ter levado um soco na cara. Madame Satã teria sido creditado, então, pela morte de Geraldo.

Outra história, essa sem confirmação por parte da acusada, foi a de que a então mulher de Geraldo Pereira teria descoberto suas diversas traições e, depois de uma briga violenta, para se vingar, encheu de vidro amassado as suas bebidas. Pereira teria morrido em decorrência de ingerir o vidro, sem perceber. Essa história seria mais plausível para explicar a morte de Pereira do que o acontecimento com Satã, já que dois de seus atestados de óbito garantem que o sambista morrera com hemorragia no intestino.

A coisa não pára por aí. Ainda existem pessoas que juram de pé junto que Pereira não teria entrado em briga nenhuma com Satã, apesar das diversas testemunhas. O homossexual capoeirista ganhou certa fama ao ser reconhecido como o assassino de um sambista conhecido na cidade, e aproveitou para se promover. Segundo essas pessoas, Pereira também não teria sido assassinado pela mulher traída, e que a situação misteriosa por trás de sua morte alimentara a propagação de boatos. Para eles, Pereira morreu em decorrência de um câncer, e já vinha definhando há meses. Perdera bastante peso, evacuava sangue e tinha crises de vômito constantes, antes mesmo de ser internado. A história também seria plausível, levando em consideração sua vida desregrada.

Mas quem matou Geraldo Pereira, se foi Satã, se foi a mulher traída ou se foi o câncer, a esse ponto, pouco importa. O que importa é a tristeza de sua partida, ainda jovem, aos 37 anos. Muito antes de os sambistas da velha guarda começarem a serem relembrados. Muitos foram retirados do ostracismo e lançados ao estrelismo, como o mestre Cartola, por exemplo. Se Geraldo Pereira não tivesse morrido em 1955, poderia ter sido alçado à fama, entrando definitivamente para o hall dos sambistas mais famosos do Brasil aos olhos do povo.



Não que ele tenha sido um completo desconhecido. Longe disso. Um dos sambistas mais influentes da história, teve composições gravadas pelos maiores nomes da música popular brasileira, como Chico Buarque, Gal Costa, Paulinho da Viola, Roberto Silva e Zizi Possi. Era bastante conhecido no circuito de samba da época, chamando a atenção inclusive de João Gilberto, do qual se tornara amigo pessoal. Desfilava com o tímido baiano da classe média pelas quebradas do Rio de Janeiro, protegendo-o do perigo iminente que corria um homem como João Gilberto a passear por bares de periferia, onde brigas eram tão comuns quanto os bêbados. João Gilberto teria se influenciado no aperfeiçoamento de Geraldo Pereira à forma sincopada de se fazer samba, característica que levou para o jeito de tocar violão ao tocar sua Bossa Nova. Fora também grande inspiração para João Nogueira, ao lado de Wilson Baptista e Noel Rosa. Em 1981, João gravou o excelente disco "Wilson, Geraldo e Noel", onde regrava composições diversas dos três sambistas.


Geraldo Pereira morrera antes de ser idealizado pelo público como os outros grandes do samba, mas não fora esquecido. Deixou mais de 100 composições, pelo menos 40 delas gravadas, para que possa sempre ser lembrado, mesmo sem ter alcançado em vida o sucesso.

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