Samba da madrugada em Londrina recebe Monarco

Monarco analisa a música brasileira da atualidade: "tem uma rapaziada boa vindo aí, também tem muita bagulhada, muito gato passando por lebre"

FOLHA 2 LONDRINA - Cantor, compositor e comandante da Velha Guarda da Portela se apresenta nesta sexta-feira (20) em Londrina

Ele estudou até o terceiro ano do antigo primário e não domina instrumento musical. Mesmo assim, escreveu letras e compôs melodias memoráveis como "Coração em Desalinho" e "Tudo Menos Amor", eternizadas nas vozes de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila. Para Hildmar Diniz, o Monarco, seu talento é um presente do Divino Espírito Santo. Aos 84 anos, o sambista de voz poderosa e comandante da Velha Guarda da Portela se apresentana sexta-feira (20) em Londrina, no Samba da Madrugada.

Em entrevista à FOLHA, por telefone, ele contou que fez sua primeira música aos 8 anos de idade. "Crioulinho Sabu" foi uma homenagem a um amigo, um menino que pedia esmola em Nova Iguaçu, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cidade onde Monarco passou a infância. "Não sei explicar. Eu era garoto e surgiu esse dom em mim. Compor é um dom que vem de Deus. Tem muito catedrático, muita gente letrada que não tem inspiração e, às vezes, um semianalfabeto faz coisas de tirar o chapéu."

A inspiração, segundo o sambista, não tem hora para chegar. Só não pode forçar. "Eu não sei te explicar como faço música. Nasce do nada. Às vezes, estou passeando, caminhando, dentro de um ônibus, vem. Ultimamente, tenho andado com um gravadorzinho. De repente, nasce um samba. É como diz Noel Rosa: O samba não se aprende no colégio, ele nasce do coração."

Hildmar se tornou Monarco ainda criança. Na verdade, primeiro foi chamado de Monako, apelido que saiu de uma revista de super-heróis e foi colocado nele por um amigo, numa brincadeira que pegou. Mais tarde, Monako ganhou um R e o K foi trocado pelo C.

Desde a infância, o sambista recebeu apoio do pai, um marceneiro que se arriscava a fazer poesias. "Papai era poeta, mas não tinha musicalidade. Fazia rimas riquíssimas. Essa parte, tenho certeza, herdei dele."

Aos 12 anos, o cantor foi morar em Oswaldo Cruz, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, sede da escola de samba Portela. Ali, conviveu com bambas como Candeia e Manacéia e pode aperfeiçoar seu talento.

Apesar de ter começado a compor e cantar muito novo, só passou a viver de música em 1972, aos 39 anos. Foi quando Martinho da Vila gravou o clássico "Tudo menos amor". Até então, exerceu vários ofícios: trabalhou como servente de pedreiro, guardador de carro, vendeu peixe na feira. Com o sucesso da gravação de Martinho, o compositor, que tinha "um baú" lotado de músicas prontas, começou a ser procurado por gente famosa, como Clara Nunes, Beth Carvalho, Maria Creuza, e Paulinho da Viola.

NOVOS BAMBAS 

Monarco não acha que a riqueza e a criatividade do samba esgotam-se em sua geração. Ele acompanha e admira o trabalho de jovens como João Martins, Juninho Thybau e Wanderley Monteiro. "Tem uma rapaziada boa vindo aí", avisa. Mas não fecha os olhos para o que não presta: "Também tem muita bagulhada. Tem muito gato passando por lebre."

O talento do líder da Velha Guarda da Portela se espalhou pela família. Os filhos Mauro e Marquinhos Diniz são cantores e compositores e a neta Juliana Diniz é atriz e cantora.

Há alguns anos, Mauro converteu-se à Assembleia de Deus. Olinda, a mulher de Monarco, também é evangélica. E o próprio sambista às vezes frequenta os cultos. Para ele, não há conflitos entre samba, carnaval e igreja evangélica. Mas diz que permanece católico. "Nasci católico, minha mãe me batizou na Igreja Católica. Com 84 anos, não tem como mudar mais. Tudo que peço a Deus, ele ouve. Tenho muita fé. E abraço toda religião. Não tenho restrição nenhuma. Cada um tem o direito de procurar o que quer."

Texto original: Folha 2 - Londrina

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