Teresa Cristina lança tributo a Noel Rosa com direção de Caetano Veloso

Noel, o elo do samba


Considerado o pai do samba moderno, Noel Rosa (1910-1937) deixou uma obra de fundamental importância para a música popular brasileira antes de sair de cena prematuramente aos 26 anos, vítima de tuberculose. O compositor retratou através de suas músicas um período importante de mudanças culturais e musicais do Rio de Janeiro no início do século XX. Também foi responsável pela transição do maxixe para o samba, além de inaugurar o diálogo entre os bacharéis brancos da classe média carioca e os compositores negros daquela época que viviam nos morros cariocas.

Oito décadas após sua partida, Noel ganha um tributo emocionante da sambista carioca Teresa Cristina, que acaba de lançar o álbum "Teresa Cristina canta Noel", no qual acompanhada apenas pelo violão de Carlinhos Sete Cordas, interpreta 14 sucessos do sambista. Clássicos como "Com que Roupa", "Feitio de Oração", "O X do Problema", "Minha Viola", fazem parte do repertória, além de uma divertida versão de "Gago Apaixonado".

"Noel é o elo entre o samba do morro e o samba do asfalto. A cara do Rio de Janeiro" comenta Teresa sobre o homenageado. "O batuque é um privilégio sim (citando um dos versos da música Feitio de Oração), e fez com que a música brasileira tenha o viés de hoje. Esse verso traduz muito sobre a importância de suas letras para o samba. Essa influência ancestral misturada à melodia e a poesia de seus versos, isso faz total diferença na construção da sua identidade", aponta a artista.

"Teresa canta Noel" é o segundo álbum de um trilogia em homenagem aos grandes sambistas do Brasil e que conta com direção de Caetano Veloso, autor do texto de apresentação do disco. "Depois da antologia de Cartola, Teresa Cristina decidiu encarar Noel. Isso é um grande acontecimento na trajetória da história do samba. Uma cantora negra, tornada referência do samba carioca na virada do milênio, claramente vinculada ao samba de terreiro, canta canções daquele que foi não apenas um dos maiores autores que a canção popular brasileira produziu, mas também quem trouxe a forma desenvolvida no Estácio a partir das casas das tias baianas para o ambiente letrado da classe média. Ouvir Noel na voz de quem cresceu como figura pública mantendo o samba radical nas noitadas da Lapa é experiência profunda com o tempo, com o processo de formação da cultura popular brasileira, com uma parte importante do organismo Brasil", avalia o cantor e compositor baiano.

O baiano elogia o talento da sambista carioca. "O canto tranquilo de Teresa é um tesouro que o Rio vem guardando há um bom tempo. Era hora de Noel, um rei em seus próprios domínios, passar pelo filtro dessa voz. Não é coisa pouca. Há uma diferença entre o Noel tal como o conhecemos e o Noel que surge das interpretações dela. Há um mínimo distanciamento que clarifica o complexo acontecimento que foi a entrada desse rapaz branco, que estudou no São Bento e estava à beira da faculdade de medicina, no mundo do samba. Ambos saem enriquecidos e a consciência sobre eles se alarga", afirma.

O violonista Carlinhos Sete Cordas também é citado por Caetano. "Sempre um virtuose inspirado, Carlinhos tinha dado todo o colorido dolorido de suas notas que caem como gotas aos sambas de Cartola. Tive a alegria e a honra de ouvi-lo acompanhar Teresa quase diariamente na série de shows com o repertório do compositor de Mangueira. Trazer todo o tratamento luxuoso dado ao samba negro de terreiro para as canções de Noel Rosa é algo que desenha uma virada na mente do ouvinte atento. É como se uma peça fundamental do quebra-cabeça da nossa história se revelasse. Ouvir Noel na voz de Teresa sobre os arpejos de Carlinhos é ir fundo na experiência da nossa formação", conclui o baiano.
Teresa Cristina com Carlinhos Sete Cordas: ela interpreta 14 músicas de Noel Rosa no novo disco, o sambista foi considerado o elo entre a criação da classe média e o morro carioca

Serviço: 
CD Teresa canta Noel
Selo – Uns Produções

Texto por Marcos Roman
Link original: Folha 2, Folha de Londrina

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